Meus dedos estão ardendo de palavras. De palavras para serem escritas, faladas, gritadas, cantadas, murmuradas, fotografadas e, por que não, dançadas. Minha língua não consegue conter a vontade. Ela não agüenta o silêncio, fica seca e seu líquido é a tinta, a tinta da tela, a tinta do papel. Qual a diferença? Toda ou nenhuma?
Qual a melhor plataforma que se segue, que se anda, que se busca a comunicação com o papel? Qual o papel? O papel da palavra. O papel da letra. O papel da tinta.
Encenar?
A máquina barulhenta, a luz branca da tela no meio da noite escura, os dedos sujos e a letra trêmula. O que se pode fazer? No meio estão as idéias? Também. No meio estão as dúvidas, as incertezas. A solução não está aqui, disse e repito. Ela é o problema e não a solução. Ela é o caminho sadomasoquista dos que não se conformam com silêncio. Daqueles que preferem sofrer e colocar de alguma forma o que sentem, seja a forma torta ou a em linha reta, seja o verso, a palavra como ponto final do início de tudo. Depende da vida. Depende da mão. Ela é a água do mito crucificado. Ela é a verdade.
E continuará sendo.
Liberta. Prende. Solta. Ao que é certo ou não. Ao que acredita a mão que move o caminho. Ela é também a borracha e o que não foi escrito. O backspace que tortura e deixa branco o que melhor pode se colorir. Ela tem cores, mas sua alma é preta e branca. O céu e o inferno. Todas as antíteses que podem explicar.
A palavra pena branca suja a parede do quarto. De hoje vejo o que passou, mas continua lá, intacto no seu tempo-espaço-tinta. Ninguém apaga, ninguém devora, mas existe. Alguém lê ou não, mas ainda sim existe.
A criança apaga a verdade do muro mas ela continua existindo. Haverá outra parede, e outra palavra e outros apagadores. O que fica é eterno de ser esquecido apenas por uma borracha. Uma tinta branca pintando tudo de cinza faz a saliva escorrer pelos dedos. Faz a fome e faz o impulso gerador de epifanias distintas colorir a cidade feia com verdades em letras de fôrma.
Sendo assim não há escolha. Não há escola. Aceita-se o que melhor couber. O que mais se necessita. Depende da fome. Do desejo. Não, não estou me contradizendo. Só não tenho a solução, pois como já disse, não há. Também não tenho conclusões e aquela única não me aceita. Não me merece e não te merece também.
Nada que exista (e principalmente viva) merece ponto final.
Sendo assim não tenho escolha se não me contentar com essas palavras simples para descrever o inexplicável, a necessidade e a própria existência. Não é preciso complicar, o que é de outrem também é valido. A existência justifica o estilo, o verso e a maneira. Justifica a forma, a plataforma e a parede. E até a qualidade da tinta, meu caro, aceite que o direito é de todos e o que fazem com ele nada te importa. O tempo dirá, as necessidades de cada um serão saciadas (enquanto houver liberdade e luz), haverá tempo e espaço para cada coisa ser guardada. Haverá estantes e discos rígidos. Haverá conexão, comunicação e fome. Muita fome.
De quem lê e escreve. Do que é escrito escondido e do que é escancarado. Do que é simples e óbvio, do que é erudito e parnasiano. Do que é meu e seu. Seja lá qual for o tempo ou a nomenclatura que se dê. Por que sei da expressão que se tem e também a que fazem quando uma verdade sua é amassada, é lixo somente porque alguém classificou. É desnecessário, é clichê, é plágio, não, não pode ser seu. Crie e copie se for necessário, faça uso, pinte e borde, mas nunca jogue fora. Permita a existência de uma verdade que não é sua. Quem somos nós pra julgar o que não nos pertence ou que não foi feito pensando em cada um de nós? Veja que a verdade tem várias faces e formas e é por isso que é tão rica. Então seja o texto apenas o que é. Seja a palavra apenas você.
Não complique, entenda o que consegue enxergar. Seja um mudo se for necessário. Fale com os olhos, com o corpo, com o vento. Mas fale.
O silêncio não existe e o pensamento contêm palavras também. Você bem sabe que os que tentam (e conseguem) o nada simplesmente deixam de existir.
Se não houver caminho quero seu silêncio também cheio de metáforas que não posso ver, cheio de mistérios que não posso desvendar apenas com os olhos. Que não posso tocar. Estupre-me com seu vocábulo casto. Estupre-me com suas vãs filosofias. Estupre-me com o seu eu. O seu eu só. O seu eu nu. O seu eu que não posso corrigir com minha tinta vermelha de sangue e erro. Pois nossos erros não permitem correções. Nossa fala verdadeira se faz em raros momentos onde a tinta não cabe. Nossa linguagem é só nossa. O seu eu que não é mais eu, a nossa fala que não permite retoques e é abundante de interpretações. Só nossas.
Assim, deste, desse ou daquele modo que é tanto iremos conceber nosso dicionário vermelho. De sangue. De erros. De paixão. Seremos as palavras que um dia virão. E também seremos amor, por que não?
Um container de emoções e verdades. De palavras mudas e tintas que não saem. Seremos preto e caucasiano, cor de pele e castanhos, seremos gemidos no meio da noite (mais verdade neles não há) e a lágrima de emoção que mareja os olhos e às vezes cai. Cai e molha a tinta, cai e molha a pele, cai e molha a alma.
Caem e molham a boca seca de palavras mudas, de verdades indizíveis que a razão desconhece. As razões que eu desconheço no caminho que não tem mapa, mas que sigo confiante, incerta do destino e apenas com a certeza da emoção. Certa de que o que vale é a caminhada, as pedras machucando os pés e calejando a alma, esta que só acredita na verdade que faz a diferença, mas mesmo assim respeita a verdade de cada um.