Esta noite me lembrei de você. Mais do que seu cheiro, seu toque, senti falta da sua presença. Não estou na mesma casa nem tenho mais a mesma idade. Não sou criança. Meu pensamento repete essas palavras com o intuito de me fortalecer ou me fazer acreditar que agora sou só eu e nada mais. Agora estou sozinha pra lidar com momentos felizes ou tristes. Apenas eu para secar minhas próprias lágrimas, cortar meu cabelo, amarrar meu sapato, levantar depois de uma queda. Sozinha. Esta noite, com os pulmões congestionados, com a falta de ar, essa coisa que herdei de você me fez lembrar sempre e sempre que você não estará no quarto ao lado ouvindo não cessar minha tosse, meu choro, minha solidão. Você não me pegará pelos braços e me levará ao médico às pressas em sua garupa de bicicleta, não me ajudará com o aparelho de inalação tão presente em nossos momentos difíceis e não me olhará com sorriso confortador dizendo que é só uma picadinha. Com a aparência conformada de um coração que se conforta com ilusões, e que aceita terrivelmente seu destino levantei da cama sozinha, preparei uma bebida quente sozinha, umedeci algumas toalhas sozinha e coloquei vários travesseiros na cama sozinha. Sentei, tentei chorar, mas as lágrimas não vieram. Fiquei feliz por ter me ensinado algumas maneiras de sobrevivência, feliz por ter me dito em alguma noite rarefeita que café abre as vias respiratórias, mas tira o sono. A respiração volta ao normal, como para dizer, agora já dá para dormir um pouco, mas ao mesmo tempo o meu sono se dissipa em lembranças tristes e felizes. Minha mente passa a desconsiderar o pulmão doente e me lembra de um pedaço do coração que falta, como uma ferida antiga que acabou de abrir. Mas ela esteve sempre aberta, vazia, como um quarto onde seu dono saiu e nunca mais voltou. Ninguém povoará este lugar cheio de emoções e cheio de tanto você que já não está embora o tempo voe, fuja, passe e se disperse nas areias do tempo haverá um lugar que eu reservarei para guardar não o que ainda existe, mas o que prevalece em minha memória para sempre.
31/03/2012 - 08:45
Ausência - Vinicius de Moraes
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho desta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho desta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo
(da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada
in Poesia completa e prosa: "Cancioneiro"