sábado, 31 de março de 2012

Tempus Fugit.


Esta noite me lembrei de você. Mais do que seu cheiro, seu toque, senti falta da sua presença. Não estou na mesma casa nem tenho mais a mesma idade. Não sou criança. Meu pensamento repete essas palavras com o intuito de me fortalecer ou me fazer acreditar que agora sou só eu e nada mais. Agora estou sozinha pra lidar com momentos felizes ou tristes. Apenas eu para secar minhas próprias lágrimas, cortar meu cabelo, amarrar meu sapato, levantar depois de uma queda. Sozinha. Esta noite, com os pulmões congestionados, com a falta de ar, essa coisa que herdei de você me fez lembrar sempre e sempre que você não estará no quarto ao lado ouvindo não cessar minha tosse, meu choro, minha solidão. Você não me pegará pelos braços e me levará ao médico às pressas em sua garupa de bicicleta, não me ajudará com o aparelho de inalação tão presente em nossos momentos difíceis e não me olhará com sorriso confortador dizendo que é só uma picadinha. Com a aparência conformada de um coração que se conforta com ilusões, e que aceita terrivelmente seu destino levantei da cama sozinha, preparei uma bebida quente sozinha, umedeci algumas toalhas sozinha e coloquei vários travesseiros na cama sozinha. Sentei, tentei chorar, mas as lágrimas não vieram. Fiquei feliz por ter me ensinado algumas maneiras de sobrevivência, feliz por ter me dito em alguma noite rarefeita que café abre as vias respiratórias, mas tira o sono. A respiração volta ao normal, como para dizer, agora já dá para dormir um pouco, mas ao mesmo tempo o meu sono se dissipa em lembranças tristes e felizes. Minha mente passa a desconsiderar o pulmão doente e me lembra de um pedaço do coração que falta, como uma ferida antiga que acabou de abrir. Mas ela esteve sempre aberta, vazia, como um quarto onde seu dono saiu e nunca mais voltou. Ninguém povoará este lugar cheio de emoções e cheio de tanto você que já não está embora o tempo voe, fuja, passe e se disperse nas areias do tempo haverá um lugar que eu reservarei para guardar não o que ainda existe, mas o que prevalece em minha memória para sempre.

31/03/2012 - 08:45
  
Ausência - Vinicius de Moraes


Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho desta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado

Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo
(da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado

Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada


in Poesia completa e prosa: "Cancioneiro"


terça-feira, 27 de março de 2012

Uma tarde e Como é Que se diz Eu te Amo. (Adaptado)



(...)
Uma das letras que me chamaram atenção foi a “Daniel na cova dos leões”. Do gosto amargo do corpo que era muito pouco. E por aí vai. Do “Vento no Litoral”. Tão expressiva a letra, principalmente com aquele riffezinho no final que mesmo que eu já saiba tocar eu continuo não sabendo de quem é porque já vi em várias outras músicas. Será. Porque eu vivo me perdendo nos monstros da minha própria criação. Mas, brigar pra quê? Pelo quê? Se temos tudo o que precisamos em nossas mãos, ao nosso alcance. É nosso. Do aprendi a perdoar e a pedir perdão. Mesmo que eu não tenha pedras em minhas mãos. Do aprender a viver sem você. Não porque você não quer, mas porque não pode. Fiz e estou fazendo meu dever de casa. Tinha um caderninho com uma abertura de ursinho, escrito “caderno de tarefa”. É. Continuo fazendo. Continuo aprendendo. Sempre. Acho que o imperfeito participa do passado, sim. É o antes, velho, ultrapassado, old, kitsh. Vai ficando complicado e ao mesmo tempo diferente. Não vivo como há dez anos. Meus amigos não estão mais procurando emprego e não uso mais a introdução dessa música pra tentar dizer quem eu sou. Embora eu ainda não saiba ao certo. Mas eu sei do que gosto mais do que não gosto. Não continuo gostando das mesmas coisas, nem todas. E é claro, não sou mais a mesma. Não esqueço a riqueza que eu tenho. Ops, ainda sei a letra todinha de Faroeste Caboclo. Não esqueci. Eu bebi da água do poço que tem na minha casa mesmo ela sendo muito limpa. Cortei um pano de chão, de linho nobre e pura seda e fiz um vestido e saio por aí com ele nos dias de sol. Já sei por que o céu é azul, mas não sei explicar a grande fúria do mundo. E é preciso mesmo amar as pessoas como se não houvesse amanhã, acredito muito nisso. Sobretudo amar. É preciso amar! Independente do ontem ou do amanhã. Do que foi ou o que será. Mas, simplesmente amar. Sim, as drogas me fizeram virar os meus pais. I'm só ugly, but it's okay cause you are... Tenho coisas bonitas pra te contar. Eu ainda sei o sopro do dragão. Então eu te abraço forte e te digo que estamos distantes de tudo, e temos nosso próprio tempo. E você me empresta um par de meias e a gente chega na sessão das 10, é. Te digo eu te amo com todas as formas do mundo, de todos os jeitos e expressões. E ouço isso, de verdade. Somos pinguins, porque um pinguins quando encontram seu parceiro ficam com ele pro resto da vida. Eu acho que não sei o que é um musical dos anos 30, mas eu sei que o nome do cd é “Como é que se diz eu te amo”. Ai você, tão poeta, tão certo, tão sábio, tão tudo naquele exato momento do show pergunta: Como é que se diz eu te amo? Aí eu respondo junto com a galera sortuda que estava naquele show, e gritamos em um uníssono: Eu te Amo!


Escrito em 7/12/2010 em um blog extinto.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Sonhos


O que há de ser esse sonho que nunca termina? Há semanas uma mesma cena. Mesmas portas, mesmas janelas. Pessoas que não conheço aparecem em feições distintas reproduzidas pela retina da minha mente em alto nível de resolução. Às vezes pessoas que não conheço, umas são apenas por nome ou pela vaga sapiência de sua existência. Uma escada. Pessoas gritando. Pessoas correndo. Acordei e fiquei pensando nas trilhas sonoras, nos nomes dos atores em cena, um a um, como se só faltassem os assentos, uma tela, e uma pipoca para que me fizessem ter a sensação de uma sala de cinema. Uma imagem em alta definição e polegadas infinitas de mistério faz minhas madrugadas quando durmo. É um sonho. É um sinal. Porque costumo achar que são um sinal as coincidências repetidas, números em placas, coisas assim. E quando acordo penso se o que é pra ser, que não é, pode vir a ser de alguma forma. Não, não desejei esse sonho e tentei achar os meus obscuros desejos em cada traço da fotografia do seriado que se repete a cada dia, com novos capítulos e surtando minha paciência. A cada noite eu digo insônia, não interrompa os estágios naturais das coisas. Eu preciso dormir, preciso sonhar. Preciso saber o fim do que há. Preciso abrir a caixa, preciso encontrar a chave. Preciso saber de quem são esses rostos desconhecidos que vivem nessa casa, onde parece meu quarto, mas não é. E assim, horas me separam de um novo capítulo, que eu guardo para lê-lo ao dormir, como a criança que segura inocente seu volume de Reinações, esperando a hora certa de abri-lo, de desfrutar das mais furtivas aventuras que é um sonho, se imaginando também como seu cão que tenta abocanhar a água que sai da torneira. Um dia ele consegue. Um dia eu consigo.

Limites.

Contra o vento vão nossos limites. Angústias, miragens brutais. Avançam nossa ética e moral e nos libertam do que somos agora. E além. Um salto largado, pés no chão, roupas rasgadas e já despimos o bom velho e comportado requinte. Um requinte com limites. Com portas de gelo e maçanetas de aço. Sensíveis a mais alta temperatura. O que faz mudar os parâmetros, comportamentos e prioridades. O aqui e o agora enquanto o sangue ferve e a cabeça turbulenta de emoções não pensa em mais nada, a não ser cedermos à condição selvagem do nosso instinto primitivo. O que era já não sou mais. O que esperam de mim? Não sei. Só sei que o que sou não é o que esperam, muito menos o que merecem. Só venho a ser o que vier e o que meu limite suporta. Abaixo isto não tenho mais o direito de ser quem sou. Pois sou o pé. Sou o som. Sou a imensidão do que ainda não fui. E a impossibilidade de ser o que acreditam.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Ela. II


Ela tem sonhado todas as noites. Sonhos distintos e psicodélicos. Sonhos loucos de pessoas loucas. Não é que acredite em sinais. Ela sabe qual sinal deve realmente acreditar e se pôr a meditar. Não são as placas do carro, os números da mesa, o placar do jogo, o ano, numerologias eternas já não fazem parte. No fundo, no fundo ela acredita em algo que não conta. É pra dar sorte diz, e não diz mais nada. Ela silencia sua boca em profundo desespero, como se qualquer letra fosse quebrar o encanto daquele momento tão cruel e oportuno. Momentos bons são cruéis para ela e isso, posso explicar caro leitor. Momentos bons lembram a ela que outros ruins surgirão. É um ciclo. Que ela não explica, mas entendem os bons ouvintes e pessoas prontas e dispostas a tentar entender. Uma noite de gargalhadas e ela sabe o que virá depois. Às vezes se arrisca e se permite, às vezes sonha e finge sorrir. Mas lá dentro d’alma sabe que sorrir demais em pleno inferno astral quer dizer muitas coisas, por isso se contem, se suborna, se flagela, suicida emoções. É o que ganha mostrando o sorriso que não sente e a face que não tem. Viver assim pra que? Não adianta. Não a querem em lugar nenhum. Só aqui. Sendo o que não é. Ou há de ser. O que importa é o dia de amanhã e suas temíveis preocupações: que máscara devo usar?

Algemas incompletas.


Poderia simplesmente ser. Seria. Onde coloquei minhas algemas nessa madrugada. Ficaram talvez perdidas na gaveta da cômoda. Isso incomoda. Cômodas me incomodam, pois há diversas gavetas possíveis onde encontraria a algema perdida. Preciso me amarrar. Envolver-me. Perdidamente e sem saída. Um bêbado num beco sem fim onde as estradas que ficaram pra trás o deixam rastros de motores na última potência. Fazendo deles o que ela certamente faria, se poderia. Fugir. E encontrar sabe lá o que de dignidade. Algo que prenda suas amarras, suas saias, em sua cinta já pronta quase estourando a meia. Algo que faça se sentir mais que viva. Dor é o que sente? Bom, isso já seria vida. Olhando de longe é alguém sem expressões explicáveis, sem denotações distintas, sem ter o que fazer e procura o que não quer encontrar. Mas encontra. E um dia encontra e só assim se há de terminar esse parágrafo sem fim e sem sentido. Só assim se há de ser. Se já é ou não é? Quem sou eu pra saber. Um carro para na esquina e ela entra com ar de dignidade. Quem é quem será? O ar embaça a figura de um motorista que para na porta e abre a mesma para a mesma entrar. Mas quem faz isso hoje em dia?