segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

2012


Os astros me diziam que seria um ano de desafios, princípios, certezas. E foi. Eu posso ser idiota falando que acredito em astrologia e você pode ser ateu me dizendo que não, mas sim, vou escolher a cor da minha roupa nesse ano. O que dizer de 2012? Eu sei que vou ficar errando a data até março, toda vez, em um papel. Foi significativo. E não, não passou rápido.

Foi o ano em que eu coloquei em jogo tudo o que eu realmente sabia, ou achava que sabia sobre alguma coisa. Estágios não significam nada, e ficar frente a frente com alunos, adolescentes, e ter extrema responsabilidade sobre eles é algo que se aprende sozinho, ou quase.

O ano em que eu confiei menos nas pessoas, e disso sofri conseqüências e aliviei algumas ilusões. Aprendi a resolver coisas sozinha. Conviver e socializar de uma forma decente. Acreditei muito mais nas minhas próprias capacidades, me cobrei como nunca em todos os sentidos. E claro, fumei muito mais do que nos anos anteriores.

E decidi parar. Claro. Meu coração já sente essa necessidade. Os pulmões clamam por ar em algumas noites insones. É preciso parar. Uma questão de sobrevivência.

Esse ano - apesar dos exageros - dei muito mais valor a vida. Essa que não prestava. Sem futuro. Sem perspectiva nenhuma. Acho que sei o que eu to fazendo aqui e  embora saber realmente quem eu sou esteja longe de acontecer: eu quero ficar.

Permanecer e clamar por novos desafios sabendo que  

"Deus dá o frio conforme o cobertor".

Que 2013 me faça melhor, me faça crescer e me desafie.

Que assim seja.

Amor.


O amor é uma coisa que dá muito trabalho pra qualquer escritor, poeta, filósofo. Dá trabalho pra muita gente, e até pra quem não quer se limitar. Definir? Coisa rara. Um poema aqui outro ali, uma música, um sorriso. Tudo é válido e ao mesmo tempo não é. O mundo se revolta e o amor vira outras coisas, ele se perde nas metamorfoses. Não é fácil acompanhar. Definir.

É indizível.

Eu poderia citar milhares de cenas, canções, sorrisos ou vozes que tentaram me demonstrar isso. Com muito custo, e de tão raro, muita simplicidade. A troca de olhares e sorrisos ente Woody Allen e Diane Keaton em Annie Hall está entre os primeiros da lista. Um primeiro encontro, o re-conhecimento, a timidez e a esperança no brilho dos olhos.

Esse texto era pra ser sobre amor e agora não é nada, para o que eu tenho de próprio não há palavras e o que eu tenho de referências não é mais que puro clichê. É tudo blábláblá e ao mesmo tempo não é.

É aquela pessoa que tem permissão para arrancar suas feridas e ser capaz de não fazê-las doer nunca mais. É aquilo que te desafia, aquela chama que queima suas entranhas e te faz pular de um precipício. Te dá asas. Te faz acreditar em si mesmo como nunca. Um eterno se doar e se doer sem limites. A cruz e a espada, mas isso já te disseram. Essas antíteses já foram colocadas. Um passo a frente e não se volta atrás.

Falei alguma coisa que ninguém disse?

Não importa. A resposta não está aqui.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Tudo bem não é Bom dia.


Se não quer saber se estou realmente bem, não pergunte. Não use uma palavra tão delicada apenas por uma convenção social. Apenas por uma educação que você finge que tem. Tudo bem não é bom dia. E sugiro que substitua uma pela outra se não tiver tempo ou interesse em ouvir a resposta. Outra coisa, não responda simplesmente “é assim mesmo” ou “vai passar” e saia batendo as canelas com a cabeça erguida em outra direção como se tivesse prestado um enorme serviço à sociedade. Não adianta. Faz você parecer mais artificial do que já é. Uma casca de noz vazia em meio ao mundo de horrores desabando sobre nós.
Sua insensibilidade me irrita tanto quanto sua forma ridícula de se mostrar humana, quando por dentro você é alguém tão sujo quanto eu. Sofrendo tanto quanto eu.
A diferença é que eu sou sincera. Não sei me importar com os outros socialmente. Quando eu me importo, eu me importo de verdade. Eu não sei mentir quando a resposta a sua pergunta se refere ao que eu estou sentindo. Nossos sentimentos são a única coisa humana que nós temos e que anda restando na sociedade, e alguns ainda insistem em artificializar.
Então, simplesmente, não fale comigo. Eu falo com você? Me deixe. Eu te importuno com perguntas falsas? Não finja se importar e não trate o fingimento como algo natural pois esse fingimento exige uma estrutura que você não tem, que eu não tenho.
E, afinal de contas.
Sentir e ser verdadeiro com os próprios sentimentos talvez seja a única coisa humana que reste dentro de nós.
Não a plastifique.


Hoje²


Hoje eu decidi ficar em casa ao invés de encarar o problema. Ao invés de encarar a cena onde não soube atuar. Sim, um erro: entreguei-me e me deixei levar. Sim, hoje eu tentei fugir dos meus problemas, mas eles me acompanharam até em casa e não me deixaram dormir.
Nunca fui todo esse poço de calmaria e passividade que você vê. O meu inferno é por dentro e eu não quero, nunca quis machucar ninguém. Não quero meus pedaços sobre a cabeça de ninguém.
Estou muito longe, eu sei, de ser uma vítima, e o alvo está longe de deixar de ser tratado como especial. O que eu falo não faz tanto sentido quanto a vergonha que senti e a solução está longe de ser uma prioridade.
Um misto de todas as sensações mais humilhantes ardeu do meu coração até a face, que caminhei até a porta e finalmente pude tirar o nariz de palhaço. Arrancar a máscara e ser quem eu realmente sou.
Sim, apenas da porta pra fora, pois por dentro sou uma máquina quebrada, mal valorizada e onde a manutenção costuma ser pouca diante de tanto uso. Diante de tanto desgaste.
Do saldo só tenho a vergonha que atingiu minha face, deu voltas no corpo todo e se alojou no coração. De onde nunca mais sairá com risco de eu deixar de ser humana.
Procurei soluções na minha biblioteca vasta de normas e esperanças. A poesia, que estava na caixa de primeiros socorros eu quis queimar, jogar na parede. Mas, como sempre, os pedaços dos quais me explodo sou obrigada a recolher todos e juntar. Fazer-me nova e retalhada para um novo dia.
Só que hoje não.
Imagino o dia em que deixarei meus pedaços grudados na parede e talvez na face de alguém, entre porta retratos e finalmente poderei sair tranqüila atravessando as portas e batendo sapatos de algodão.

Hoje


Hoje me resolvi. Permiti-me alguns luxos. Algumas alegrias. Sim, aquela risada engasgada no fundo da ideia quando tudo está desabando. O caos sobre nossas cabeças e um sorriso contido pela merda que foi esfregada na cara.
Hoje eu quero a alegria que se contêm nas faces de um velório. Do sorriso diante do soco bem dado na cara do desespero. De ser humana em momentos não privilegiados. Quando era criança, e disso ainda me lembro bem, desatava a rir depois de uma surra bem levada, depois que as lágrimas já secaram, o que me levava a apanhar e a sorrir cada vez mais. Pois era proibido rir. Era proibido sorrir.
Quem inventou que não se pode sorrir diante do desespero, do sofrimento e em meio a crises gerais? Nunca soube.
Hoje eu escolhi meu sentimento e quem manda nele sou eu. Chega dessa ideia de que sofrer é bonito, é poético e o caralho A4. Nem conseqüência nem nada. Não quero depressão. Nem pós, nem durante, nem depois. Se vier será esfregada como soco na parede chapiscada da vergonha. A dor é merda. É ferida. Não mexa. Só aponte e dê risada do que, certamente, irá flutuar.
Se isso é loucura, não sei. A gente escolhe ser louco? Também não sei. Resolvi acordar de bem comigo mesma. Só isso.
Não é filosofia barata, não é auto-ajuda. Sou eu cansada de me sentir vítima. Quero ter o controle, confiar e perder. E se tudo der errado ofereço a outra face com um sorriso amarelo de ponta a ponta.
Não é armadura nem máscara. É só eu tomando conta de mim.
Mais uma vez.

sábado, 27 de outubro de 2012

4


Meu Deus, se alguém me perguntasse o que há de mais patético no ser humano, daria a seguinte resposta fulminante: — “A nudez”. Para mim, não há nudez intranscendente. Explicarei, mais adiante, por que um vago decote pode comprometer ao infinito. Mas o que me importa, de momento, é contar o grande espanto de minha infância.
Recentemente, no Correio da Manhã, o Paulo Francis falava na “demência insuportável” de Dostoievski. De acordo, e daí? Outro “demente insuportável”, e de rasgar dinheiro, seria Tolstoi. E ainda outro, que também podia ser amarrado num pé de mesa, o Shakespeare de Ricardo III. Só o Pedro Calmon não é demente. (Estou divagando outra vez, e desculpem.) Eis o que eu queria dizer: — a palavra “demência” levou-me a uma loucura antiga, nada literária e, até, analfabeta. Vejamos. Já contei umas dez vezes que minha família morava na rua Alegre, Aldeia Campista, ao lado de uma farmácia. Na esquina, à esquerda da minha casa, residia um parente do marechal Hermes da Fonseca. E, ao lado, havia uma cabeça-de-porco. Morava aí, com a mãe, por sinal lavadeira, uma moça, dos seus 25, trinta anos. A velha era portuguesa e a filha, não sei.
Era a doida da rua, do bairro. Não gritava, não agredia nem falava. Ficava no quarto, dia e noite; e eu ouvia dizer que “tomava banho de bacia”, com a mãe ensaboando, esfregando e berrando: “Fica quieta, fica quieta!”. Dizia-se também que a demente tinha horror de banho (também não sei).
Em torno dessa loucura, fora montado todo um folclore; e, de vez em quando, vinha uma comadre e acrescentava mais uma fantasia. Certa vez, ouvi uma conversa de vizinhas. Uma das mexeriqueiras contou que a louca, nas noites quentes (ou frias, sei lá), tirava a roupa, tudo. E ia assim, nua, até de manhã. De manhã, a portuguesa acordava e metia-lhe o chinelo. 
Eu ouvi a história, de olho grande. Por muitos dias e muitas noites aquilo não me saiu da cabeça. Imaginava a nudez insone, nudez delirante, rodando pelo quarto.
Agora vem o tal grande espanto da minha infância. Eu já fizera sete anos, e estava na escola pública. Alguns alunos levavam merendas santuárias. Lembro-me de um deles comendo pão com ovo. Pão com ovo! E a gema pendia-lhe do beiço, como uma baba amarela. Aquilo me apunhalava de inveja. Mas voltando à filha da lavadeira: — eu sentia pela demente um certo encanto apavorado. Em casa, as tias avisavam: — “Não vai lá! Não vai lá!”. Mas eu escapulia e, com pouco mais, estava brincando com os meninos da casa de cômodos. Até que tomei coragem.
Tomei coragem, passei a mão no trinco e empurrei a porta. Passei lá um segundo fulminante. Mas vi. A louca estava no fundo do quarto, encostada à parede — e nua. Completamente nua. Essa imagem de nudez acuada está, ainda agora, neste momento, diante de mim. Não esperei mais. Corri. Entrei em casa tão branco que alguém perguntou: — “O que é que você tem, menino?”. Disse, se é que disse: — “Nada, não”. Meti-me na cama; debaixo do lençol, tiritava de vergonha, pena, medo e, também, nojo. De repente, o mundo se enchia de nus. Cada qual tinha a sua nudez obrigatória. As donas da rua, se tirassem a roupa toda, estariam nuas como a filha da lavadeira.
Isso aconteceu em 1918, por aí. Um domingo, trinta e tantos anos depois, estou no portão. E ouço uma vizinha perguntar a outra vizinha, de janela a janela:
— Sabe quem morreu? A Marilyn Monroe.
— Morreu?
— O rádio está dando.
— Desastre?
— Suicídio.
Ora, quem se mata tem, automaticamente, o meu amor. E, além disso, prefiro as neuróticas (mais tarde direi por quê). Saí do portão, fui comprar cigarros e só pensava na suicida. Na sua adolescência, Marilyn posou nua para uma folhinha. E esse impudor mercenário foi, ao mesmo tempo, de uma fulminante eficácia promocional. Do dia para a noite, ela se tornou célebre: — célebre e nua, célebre porque se despira. Daí para Hollywood, a distância seria um milímetro.
A folhinha correu mundo. Foi desejada em todos os idiomas. Nos botecos de Bombaim, ou do Cairo, ou de Cingapura, os paus-d’água sonhavam com o frescor implacável de sua nudez. Ao mesmo tempo, ela se tornava uma grande atriz. Trabalhou com sir Laurence Olivier. Não sei se antes ou depois, casou-se com Arthur Miller. Pouco importava o marido, o homem; o que a fascinou foi o grande dramaturgo (falso grande dramaturgo e pulha da pior espécie).
Tudo espantosamente inútil. Se ela fosse nomeada rainha da Inglaterra, ou promovida a madame Curie, ou carregada num andor — daria no mesmo. Nenhuma coroa, nenhuma estrela, nenhum manto — nada a salvaria de sua própria nudez.
Até que, num sábado, ou num domingo, ela se matou. A besta do Arthur Miller não entendeu nada. Fez uma peça infame. De seu texto, salva-se apenas uma única e escassa passagem. É quando Marilyn Monroe, de quatro, berra: — “Eu queria ser maravilhosa! Eu queria ser maravilhosa!”. Para morrer, Marilyn despiu-se como na folhinha. E morreu nua. Morreu folhinha.
Quero que vocês me entendam. São dois nus justapostos: — a demente de Aldeia Campista e a estrela de Hollywood. Essa relação é de uma nitidez apavorante, sem nenhum mistério. Não importa que uma seja doida e a outra não. Ou por outra: — que uma seja doida e a outra também. Na minha memória, uma e outra estão unidas como se fossem (Deus me livre) duas lésbicas. E há uma terceira figura que acho igualmente desesperadora.
A do biquíni. Sou um obsessivo e houve alguém, se não me engano, o Cláudio Mello e Sousa, que me chamou de “flor de obsessão”. Exato, exato, e graças a Deus. O que dá ao homem um mínimo de unidade interior é a soma de suas obsessões. Pois o biquíni é o meu cotidiano espanto. Todos os dias, o meu táxi vai do Forte ao Leme, seguindo a mesma orla de umbigos. Não sei qual das três é a mais humilhada: — a louca da rua Alegre, Marilyn Monroe ou a moça do biquíni. Diria que a atriz merece a desculpa apiedada do impudor mercenário. Posso até insinuar que foi a ordem capitalista que a despiu. Mas o biquíni é a folhinha de graça, a folhinha não gratificada, a folhinha sem cachê.
Sei que, falando assim, lembro, talvez, o pastor de Chuva, antes do pecado. Não faz mal. Vivo a dizer que considero o ridículo uma das minhas dimensões mais válidas. O medo do ridículo gera as piores doenças psicológicas. Mas falei, falei, e não estava dizendo o essencial. Ouçam: — Marilyn Monroe morreu porque se despiu sem amor. E aí está a palavra: — amor, amor. Foi o remorso, foi a humilhação da nudez sem amor. Só o ser amado tem o direito de olhar um simples decote. É apenas um decote, mas só o ser amado pode olhar a linha nítida, tão nítida, que separa os seios.

Nelson Rodrigues em A Menina Sem Estrelas

... II


Meus dedos acordaram ácidos de palavras velhas e sujas que putrefaram ao calor do sol de uma felicidade passageira, verdadeira, mas que se foi. Intensa, queimava cada vocábulo não dito e até mesmo os velhos e repetidos não foram salvos de sua intensidade. Meus últimos dias se dividiram entre o silêncio e o apodrecimento das frases. Se dividiu entre a Carniça de Baudelaire e Mais Luz de Antero de Quental, e eu te digo, o caminho do meio não é um dos mais confortáveis. Entre a ânsia de dizer e saber que não é necessário só cabe a angústia. E mais nada.
Quando me pego entre essas reflexões me lembro daquela música que me mostrou quando já não havia mais palavras e quando temperar com musicalidade nossas tardes vazias e silenciosas parecia uma das últimas soluções. Aquele que fala do silêncio e das palavras que machucam. Eu sei. Sempre soube.
Mas agora preciso dos meus dedos podres, e pra ser irônica, do que está em minhas mãos. Ficaram um tempo paradas fazendo coisas triviais, prazerosas, se ressecando com o giz ou amarelando com o cigarro, sempre nos mesmos dedos. Estratégicos. Se lembra quando eu odiava o modo como soltava a fumaça e escorava o cigarro nos dedos, assim? Lembrei também. E depois disso não houve dúvidas de que odiamos algumas coisas que existem em nós mesmos. 
Você nunca soube do que meus dedos um dia seriam capazes de fazer, nem eu mesma sabia e me surpreendia com coisas novas, palavras e combinações diferentes com todos os dez bailarinos dançando coreografias caligráficas de quem aprendeu a lição mas adora quebrar regras e botar sentimento onde não tem. Desculpe se não te deixo respirar com minhas sentenças longas e sem vírgulas, é que tenho a sensação de que no papel possuo mais fôlego do que o normal, meu pulmão não está lá essas coisas, mergulho nas tangentes e faço o que posso do modo como não devo e só o tempo corrigirá.
Tudo acaba sendo corrigido de alguma forma, não? O caminho que eu passava de bicicleta feliz e não sabendo nada da vida está sendo loteado com casas, será habitado. O caminho que cortava já não é mais caminho cortado, agora é rua com cep e tudo mais. A cidade muda e tudo muda e nada mais é pacato como antigamente. Nem mesmo as pessoas. Nem mesmo eu tão calma. Nem mesmo meus dedos que agora estão magros, sujos, cheios de ferida. O estranho é que sua presença é pacata e inspira uma tranqüilidade que jamais imaginaria que pudesse vir de você, tão agressivo e bipolar.
Minha agressividade agora se concentra nos dedos, lutando para viver em luz lavando palavras sujas, jogando as podres para todos os lados, e tentando se regenerar de tanta merda escrita e de tantos apertos de mão trocados em vão.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A origem.


O consciente do subconsciente torna imperável a não tradução literária
ela rompre e estupra as palavras
ela estrupa, destrói e despolariza o integral
o solúvel divino no macro
com a contempureza do sono lírico
e o canto do hino de Armagedom 
assim como na América.

Don't close my eyes.

Templo.


Sol, lua, terreno abruptamente lavado pelo arco do sagrado
do leve e sublime sonho de todos nós
recheados das minhas coisinhas de outrora
da nostalgia que era o arvorecer da praça
amarelinha e pipa acolá
o sol, o sol a raiar!

Maiakovski.

Viva Maiakovski!
Ele brilha as pessoas.

                                        Eu brilhei.

Emaranhouse.


A partir de agora te personifico em todas as minhas palavras
em todas as minhas letras e sentidos, porquês e amanhãs
nas coisas duras do entresentido da coisa
da serenidade de tua poesia humanizada
com o doce labor do sempre amanhecer
que seja doce, que seja doce o nosso reviver!

Apenas poesia emaranhada
apenas linhas nobres do enjuvenecer
do permear do circular do sol
do viver 

e por que não, do desviver.


Sem ponta.


Eu me padronizei com teus modelos, com tuas costuras
e me sangrei no avesso de tuas tesouras tão finas
eu o vi surgir num ímpeto um dia e te disse
meus olhos começam a luzir a luz do sereno sol
me fugi, me colei, me absorvi
te humilhei , me perdi, mas achei
que era grande o seu significado
mas não soube soubesificar a minha existência
do valio que sola a minha solitude.
Tei, tu , terás
terás os céus, a terra e o mar.
Só se verá.
lá.

Pena.


Intérpretes de um modelo torto, uma escravidão
o impopular.
O que não é nem deve ser nunca será
mas é o subjuntivo italino
o grosso que deixa as palavras mais pretas
a tarja e a tocha lado a lado de um verde véu
principal e principérsia
o gelo para no ar
a escuridão e a conversa
a sutileza do palavrear.
A ti pena amiga, ofereço o meu cantetear
que canete e pinte tua letra
para um beco de letras de forma, de tortas e esvoaçantes
de jardins de seda
e palácios de benjamins,
ah...
a voar.



Além.


Risca, chove e molha o além
pra longe, pra perto
dentro do trem
ali na conchinha do mar de aquíferos
aquíferos em meio a frases do bem
mais sois, mas tens a pressa de um trem
um calmo aciferato do além
do tempo do espaço,
do que a gente tem.

Risocéu.


O riso rola
rola o riso e a folha marela
a esfera da esferográfica esferando-me
esfera a esferograça
esferosonho
esferumaça
esfoleia, espere, esperare, tu
esperarás circlecéu
o céu de nuvens orográficas da Alessandra
o céu pra qualquer lugar.
Lugar de todo mundo e ninguém,
meu porta, meu além.

Born


Nasci num dia de chuva certamente. Sim, minha mãe me contou e meu pai também me contava. Eram 10 horas da manhã, foi cesariana, fui a última. Depois de cinco irmãos era a quinta menina que nascia, que leva o nome da avó,que as pessoas dizem ser tão chata como ela. Não sei se era virginiana, mas era professora. Ensinou meu pai e seus irmãos a ler e a fazer contas desde pequenos. Não tenho muitas lembranças dela, só lembro de alguns banhos numa bacia enorme que tinha na casa dela, com a água morna que ela esquentava no fogão à lenha. Meu avô tinha um pé de melancia no quintal e ele sempre me falava que se eu engolisse a semente ia nascer um pé de melancia na minha barriga. E eu acreditava, e imaginava as melancias crescendo dentro de mim. E era grande aquele quintal, parecia um sítio. E também havia um sítio bem bonito tinha cavalos e eu tinha medo deles, chorava sempre que via. E naquele quintal de seriguelas, umbus e tamarindos eu construí parte da minha infância.

Tenho saudades. Das cachoeiras, dos rios onde eu me banhava enquanto minha mãe lavava roupa, rios que hoje já devem estar secos.
Mas o que não foge a minha memória é o cheiro do café, que saía a qualquer hora do dia, moído na hora. Sentados todos à mesa tomando um café com o bolo de fubá da vó na sua mesa de madeira. E sim, são essas memórias que me fazem perceber que o tempo passa, não volta, e que se deve amar às pessoas como se o amanhã não existisse, e que se deve viver cada momento intensamente e verdadeiramente. Pois tudo depois se tornará uma lembrança, momentos que a memória vai resgatar.


27/09/10

Rosas



Bom...são 4:29 da manhã, está queimando um incenso de cravo, é uma delícia! Veio escrito na caixinha 'paz de espírito', sim, eu estou em paz. E o cravo me lembra um brigadeiro que comi no meu aniversário, embora não existam cravos em brigadeiros, e tenha tido beijinho também nesse dia, mas eu me lembro mesmo é do cravo e do brigadeiro, e das rosas, também haviam rosas.
Sim rosas e cravos. Só que o cravo não brigou com a rosa. O cravo não tinha feridas, porque a rosa as curou. E a rosa é uma nova flor, uma nova rosa, uma rosa vermelha. Era uma rosa que era vermelha e outras rosas que ainda não estavam vermelhas como as outras pois elas eram coloridas psicodelicamente e também porque na verdade elas ainda eram cor-de-pele. Mas já devem estar vermelhas e lindas porque eu cuido delas com amor. Não que eu não goste da cor da pele. É linda a rosa com cor de pele, especialmente a pele dele.
Mesmo que eu esteja aqui, com o incenso de cravo ainda queimando, uma caneca de café em frente ao pc, longe de quem eu amo, relembro os dias lindos de setembro que passei esse ano. Onde tudo certamente foi verdadeiro, intenso e lindo. Sentir como é ser amado apesar de todos os meus defeitos, de toda a impulsividade e principalmente apesar dos meus erros. Ser amado pelo que se é, e não pelo que se parece ser. Sentir isso bem no fundo do coração e da alma. Aprendi isso ao lado de quem eu amo. É é muito bom quando a vida te dá oportunidades de crescer e aprender, e evoluir com alguém que se ama. É muito bom ter a alegria de ser amada e desejada por alguém que me acrescenta tanto quanto me completa.


29/09/10


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

'about us'


Fico querendo te encontrar para conversarmos durante horas, perguntar como foi seu dia e reclamarmos um de cada vez sobre o seu próprio trabalho, ouvir suas piadas sem graça e rir de você quando me diz que não tenho senso de humor. A semana foi exaustiva e estressante, sim, mas a única coisa que desejo realmente fazer quando você chega é te abraçar e não te largar mais. E depois de tantos anos, eu tão egoísta e tão cheia de tantas palavras reclamo, às vezes, da nossa falta de assunto. Daí então, percebo que não temos mais aquela ânsia dos casais iniciantes, pelo contrário, temos a calma e a serenidade de quem acha que já sabe demais um do outro e sempre acaba descobrindo algo mais através do silêncio. Somos o casal daquela mesa no canto que não se falam mais apenas porque não precisam mais de palavras. Aqueles que já gastaram demais as tantas e tantas palavras de amor, mas que ainda dizem um pro outro eu te amo todos os dias tão intensamente quanto se pede perdão. E que também por algumas horas em um dia qualquer se enchem de insultos apenas para não se esquecerem de que ainda são humanos e diferentes.

“Que o teu silêncio me fale cada vez mais” foram as palavras do poeta enquanto caminhava em direção a sua metade. Não deve ter sido bem assim, mas é como eu me imagino recitando o poema com uma imaginação adolescente, feito uma garota bucólica farta de romances janeaustinos. E eu quero cada vez mais disso, embora o silêncio à dois me deixe constrangida e por vezes, completamente nua. Quero aprender cada vez mais sua língua e entender, mesmo que pela metade – porque sou metade – as entrelinhas de sua expressão. O que há entre as linhas do seu corpo já não é mais segredo, por isso gosto quando estou longe de você, de te imaginar sempre vestido pra tentar fingir um esquecimento de um território não mapeado e fazer de cada encontro e de cada toque uma longa e preciosa descoberta.

Hastear bandeira nuca foi preciso embora como animais não tenhamos evoluído tanto, carregando em cada um o cheiro do outro, e principalmente a lembrança, que nada apaga. Ou como o artista que admira sua obra e a reconhece em qualquer lugar sem a tão necessária assinatura. Eu te reconheço, tu me reconheces, e isso é tudo.  A vela que carrega nossa chama parece ser tão antiga quanto o sol, pois a cada dia se torna mais quente e furiosa. Consigo imaginar também nosso amor como aquela cena de um filme romântico – porque sou romântica mesmo dizendo que não – onde um navio fervilha num vapor excitante, ardentemente flamejante, apenas para adiar o impacto do gelo. E no fim da milésima vez que assisto ao seu lado eu teimo em dizer, sim, eu teimo, ninguém afunda o nosso amor.  E não há gelo que me provará o contrário.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Bom Dia.

Nada encontro nos olhares que querem tirar algo de mim. Que querem me usufruir de alguma forma como objeto. Nada encontro nesses carros que passam ora distraídos, ora apressados. Cada qual com suas vidas e existências. Em cada banco o cinto de segurança apressado estanca em cada sinaleiro.

Daqui é mais fácil observar cada pressa.
As luzes e setas diante do imenso concreto e eu diante do imenso cigarro que nunca acaba.

Não coloco interjeições. Nada é surpresa. Quero só colocar em palavras soltas. Quero só escrever, transcrever, interpretar. Eu só quero o sol tocando meu rosto como se eu houvesse dormido muito bem. Eu só quero as pessoas me dizendo bom dia como se o ontem houvesse acabado. Eu quero fingir. Eu quero usar a máscara.

Eu quero ser quem as pessoas querem que eu seja. Só hoje. Eu quero satisfazê-las, cumprimentá-las. Quero o papel que cabe a mim em plena segunda expediente. Ver ao meu modo sendo eu mesma quando não possível.

E quem consegue? Quem sabe o que é? Apenas continua sendo. 
O que eu quiser: ninguém sabe.
Não procure a melhor máscara, deixe o público colocar por você.

Ele sempre faz isso. Em todo lugar.

Desespontâneo.

Eu perdi a palavra e sem ela o ponto final não existe. Ainda a sinto se movimentado dentro de mim, estava na ponta da língua, mas assustada com a sua presença, acabei engolindo antes da hora. Antes de mastigar e sentir o gosto. Antes de escrever. Fugiu como um gato preto arisco e agora anda entre os labirintos do meu ser esperando ser expelida por algum orifício, esperando ser transpirada. Se perdeu do caminho por onde veio e no mesmo só soube semear reticências infinitas.

Ando em profundo desespero sentindo a náusea aparecer e desaparecer em segundos. Feito a aparição de um clímax daquilo que está chegando, mas nunca termina. Feito um feto que anuncia nascer antes da hora. Eu quero agora. Eu quero parir essa maldita palavra.

Que não sai.

Tenho medo que em um possível aborto espontâneo ela saia monstruosa, feia, esculhambada e pela metade. Seria tarde demais, e não saberia ao menos seu sexo. Seria o fim.

Em certos momentos quero me livrar dessas palavras, mas quando as esqueço não me conformo. A verdade é que quero que todas existam dentro de mim, em minha mente, e façam sentido. Mas elas não podem, elas são muitas, são várias. Quando falta invento outras. Ah, mas essa? Parece ser insubstituível. Me faz querer viver num mundo sem palavras, enquanto mergulho entre páginas de livros, apenas para ter a ilusão da surpresa na esperança de que ela salte sobre mim, para que eu possa ver seu ínfimo e nunca mais abandoná-la no esquecimento.

Na impossibilidade e frustração do acaso, e sobretudo no desespero, tentei encontrar em minha memória o exato momento em que a ouvi pela última vez. A surpresa desagradável foi saber que ela saiu da sua boca, e que  teria que refazer o diálogo em minha mente inúmeras vezes até que ouvisse novamente a palavra, a palavra, saindo da sua boca.

Mas você também parece ter esquecido. Em minha lembrança ela parece também ter fugido de você. Mas você disse. E eu não consigo ouvir novamente. A fita da memória se embola no tape quando você começa a pronunciá-la, e... 
mas que inferno! Não dá para ouvir nem a primeira letra.

Retiro o tape da memória, giro até o início com a caneta, boto de novo pra tocar, e nada. Nada. Nada. Apenas reticências.

Mas que merda!

Merda de palavra esquecida. 

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Que seja agridoce.

Quero aquela tua certeza que te faz acordar e saber por que existe. O que fazer com a vida e com tuas mãos macias que não são de artista, mas que são hábeis e cheias de sentimento. Quero ver tua expressão monalisa e entender o que sentes embora teu sorriso seja incerto. Que eu me sinta sufocada com tua expressão de horror mesmo que deste lado da tela eu não possa enxergar o que te aflige. 

Quero teus lábios me sorrindo mesmo quando eu duvido demais. Quero que abafe minhas palavras com silêncio enquanto eu tenho tanto a dizer. E que esse silêncio seja o texto mais lindo, seja a metáfora mais bem usada em cada momento certo. Que me irrite cheio de vírgulas impróprias, de dialetos desconhecidos, desconcordâncias e desgramáticas. Essa desastrada que destrói nossos sonhos desconexos me fazendo o diafragma parar de saltar.

Quero a repressão, a dominação, a autoridade de quem sabe muito bem o que é e o que faz. Que seja rude. Que seja agridoce. Que não seja nada, então, se for só para me agradar.

sábado, 4 de agosto de 2012

...

Meus dedos estão ardendo de palavras. De palavras para serem escritas, faladas, gritadas, cantadas, murmuradas, fotografadas e, por que não, dançadas. Minha língua não consegue conter a vontade. Ela não agüenta o silêncio, fica seca e seu líquido é a tinta, a tinta da tela, a tinta do papel. Qual a diferença? Toda ou nenhuma? 

Qual a melhor plataforma que se segue, que se anda, que se busca a comunicação com o papel? Qual o papel? O papel da palavra. O papel da letra. O papel da tinta. 
Encenar?

A máquina barulhenta, a luz branca da tela no meio da noite escura, os dedos sujos e a letra trêmula. O que se pode fazer? No meio estão as idéias? Também. No meio estão as dúvidas, as incertezas. A solução não está aqui, disse e repito. Ela é o problema e não a solução. Ela é o caminho sadomasoquista dos que não se conformam com silêncio. Daqueles que preferem sofrer e colocar de alguma forma o que sentem, seja a forma torta ou a em linha reta, seja o verso, a palavra como ponto final do início de tudo. Depende da vida. Depende da mão. Ela é a água do mito crucificado. Ela é a verdade.

E continuará sendo.

Liberta. Prende. Solta. Ao que é certo ou não. Ao que acredita a mão que move o caminho. Ela é também a borracha e o que não foi escrito. O backspace que tortura e deixa branco o que melhor pode se colorir. Ela tem cores, mas sua alma é preta e branca. O céu e o inferno. Todas as antíteses que podem explicar.

A palavra pena branca suja a parede do quarto. De hoje vejo o que passou, mas continua lá, intacto no seu tempo-espaço-tinta. Ninguém apaga, ninguém devora, mas existe. Alguém lê ou não, mas ainda sim existe. 

A criança apaga a verdade do muro mas ela continua existindo. Haverá outra parede, e outra palavra e outros apagadores. O que fica é eterno de ser esquecido apenas por uma borracha. Uma tinta branca pintando tudo de cinza faz a saliva escorrer pelos dedos. Faz a fome e faz o impulso gerador de epifanias distintas colorir a cidade feia com verdades em letras de fôrma.

Sendo assim não há escolha. Não há escola. Aceita-se o que melhor couber. O que mais se necessita. Depende da fome. Do desejo. Não, não estou me contradizendo. Só não tenho a solução, pois como já disse, não há. Também não tenho conclusões e aquela única não me aceita. Não me merece e não te merece também. 

Nada que exista (e principalmente  viva) merece ponto final.

Sendo assim não tenho escolha se não me contentar com essas palavras simples para descrever o inexplicável, a necessidade e a própria existência. Não é preciso complicar, o que é de outrem também é valido. A existência justifica o estilo, o verso e a maneira. Justifica a forma, a plataforma e a parede. E até a qualidade da tinta, meu caro, aceite que o direito é de todos e o que fazem com ele nada te importa. O tempo dirá, as necessidades de cada um serão saciadas (enquanto houver liberdade e luz), haverá tempo e espaço para cada coisa ser guardada. Haverá estantes e discos rígidos. Haverá conexão, comunicação e fome. Muita fome.

De quem lê e escreve. Do que é escrito escondido e do que é escancarado. Do que é simples e óbvio, do que é erudito e parnasiano. Do que é meu e seu. Seja lá qual for o tempo ou a nomenclatura que se dê. Por que sei da expressão que se tem e também a que fazem quando uma verdade sua é amassada, é lixo somente porque alguém classificou. É desnecessário, é clichê, é plágio, não, não pode ser seu. Crie e copie se for necessário, faça uso, pinte e borde, mas nunca jogue fora. Permita a existência de uma verdade que não é sua. Quem somos nós pra julgar o que não nos pertence ou que não foi feito pensando em cada um de nós? Veja que a verdade tem várias faces e formas e é por isso que é tão rica. Então seja o texto apenas o que é. Seja a palavra apenas você.

Não complique, entenda o que consegue enxergar. Seja um mudo se for necessário. Fale com os olhos, com o corpo, com o vento. Mas fale. 

O silêncio não existe e o pensamento contêm palavras também. Você bem sabe que os que tentam (e conseguem) o nada simplesmente deixam de existir.

Se não houver caminho quero seu silêncio também cheio de metáforas que não posso ver, cheio de mistérios que não posso desvendar apenas com os olhos. Que não posso tocar. Estupre-me com seu vocábulo casto. Estupre-me com suas vãs filosofias. Estupre-me com o seu eu. O seu eu só. O seu eu nu. O seu eu que não posso corrigir com minha tinta vermelha de sangue e erro. Pois nossos erros não permitem correções. Nossa fala verdadeira se faz em raros momentos onde a tinta não cabe. Nossa linguagem é só nossa. O seu eu que não é mais eu, a nossa fala que não permite retoques e é abundante de interpretações. Só nossas.

Assim, deste, desse ou daquele modo que é tanto iremos conceber nosso dicionário vermelho. De sangue. De erros. De paixão. Seremos as palavras que um dia virão. E também seremos amor, por que não? 

Um container de emoções e verdades. De palavras mudas e tintas que não saem. Seremos preto e caucasiano, cor de pele e castanhos, seremos gemidos no meio da noite (mais verdade neles não há) e a lágrima de emoção que mareja os olhos e às vezes cai. Cai e molha a tinta, cai e molha a pele, cai e molha a alma.

Caem e molham a boca seca de palavras mudas, de verdades indizíveis que a razão desconhece. As razões que eu desconheço no caminho que não tem mapa, mas que sigo confiante, incerta do destino e apenas com a certeza da emoção. Certa de que o que vale é a caminhada, as pedras machucando os pés e calejando a alma, esta que só acredita na verdade que faz a diferença, mas mesmo assim respeita a verdade de cada um.

sábado, 28 de julho de 2012

desgostos.


Eu não gosto do mês de agosto. E sinto ódio dessas datas e faltas que você faz que fico com raiva de mim por escrever tanto sobre você. Eu não quero esquecer. Não quero me conformar. É uma dor que eu gosto de sentir. Sua filha. Sua falta. Eu sou ainda aquela criança que beijou sua tez gelada pela última vez. Que desfez suas mãos cruzadas com tanto custo para sentir a sua mão tocando a minha uma vez mais, ainda que fria e sem vida. Eu sou o luto eterno. A dor que não cessa. O tempo que não cura. Eu não aceito a sua falta de forma alguma. Assim como não aceitei suas últimas palavras de que sua missão estava cumprida. Não estava. E você sabe que não estava. Você me deixou pela metade. A outra que eu construí para me adaptar ao mundo é feita de gesso, e dói. Como o gesso da sapatilha. Dói ao dançar, mas alivia a alma. Sentir a dor da sua falta alivia a própria ausência. Que não cessa.

Não cabe.

Ela escuta. Desacredita. Lê e dá risadas. Claro. Sempre foi assim. Esse eterno rir das próprias burradas e piadas que agora são escritas com todos os dedos. Esse eterno debochar de qualquer espelho. Debochar da própria imagem. Imagem. E foi divagando sobre ela, sobre a imagem, que tudo se despedaçou sem haver existido. As palavras se transformaram em roupas e todos vestiram o que melhor lhe couberam. Palavras quentes, leves, suaves e as que machucam a pele enquanto caminha com elas. Pessoas gostam de sofrer e eu nunca soube o porquê. Tomam certas palavras para si, calçam e ficam altas enquanto seus dedos ardem. Isso quando insistem em calçar um número de palavras que não lhe cabe e não lhe diz respeito. Estes são os que sofrem mais. Se adaptam e se apertam até caberem certinho e sofrem a noite toda com essa insistência. Com a insistência em ser o que não é. Em usar o que não lhe pertence. Em não se encaixar nesse mundo vasto cheio de idéias e entrelinhas.

O gosto.


Café e cigarro. Não, cigarro não. Fumo. Solta um mundaréu de fumaça pelo quarto, e que sua mãe sempre odeia.  Esse café, tão forte e suave, a qualquer momento do dia, daquele jeito simples que todo baiano gosta. Você está lá. E em todos os lugares. Eu sinto. Às vezes eu até vejo, mas finjo que não vi só para me fazer de boba, mas no fundo eu sei. Sempre soube. Quando acreditei? Aceitei? Ainda não sei. E espero que ainda demore. Não, não quero agora. Guarde esta certeza que eu bebo da sua água outro dia. Não me prenda tanto ao chão assim, eu posso nunca mais voar. Sinto-me bem onde estou e no quê eu acredito que nunca me senti assim em toda minha vida. Você sabe que eu falo assim, mas eu tenho certeza de que não caminhei nem a metade do caminho. O pedaço que você me dava a mão não conta. Porque eu só conto daí pra frente, onde eu não me sentia segura, e que não éramos nós. Fui dançando, correndo, de bicicleta até que um dia não precisei de mais nada. Ou quase nada. Eu sei. Eu sei. Não vem com esse papo de Freud explica. Eu já cansei de ouvir isso de você. No fundo eu sei que o que apenas sobra são só retalhos, retratos, escritos, seus livros. E o cheiro na memória. Porque eu lembro que cheguei em casa e seu cheiro não estava mais na sua cama. Então eu encho a casa de fumo e café. Fecho os olhos e me agarro em sua memória.