sábado, 28 de julho de 2012

desgostos.


Eu não gosto do mês de agosto. E sinto ódio dessas datas e faltas que você faz que fico com raiva de mim por escrever tanto sobre você. Eu não quero esquecer. Não quero me conformar. É uma dor que eu gosto de sentir. Sua filha. Sua falta. Eu sou ainda aquela criança que beijou sua tez gelada pela última vez. Que desfez suas mãos cruzadas com tanto custo para sentir a sua mão tocando a minha uma vez mais, ainda que fria e sem vida. Eu sou o luto eterno. A dor que não cessa. O tempo que não cura. Eu não aceito a sua falta de forma alguma. Assim como não aceitei suas últimas palavras de que sua missão estava cumprida. Não estava. E você sabe que não estava. Você me deixou pela metade. A outra que eu construí para me adaptar ao mundo é feita de gesso, e dói. Como o gesso da sapatilha. Dói ao dançar, mas alivia a alma. Sentir a dor da sua falta alivia a própria ausência. Que não cessa.

Não cabe.

Ela escuta. Desacredita. Lê e dá risadas. Claro. Sempre foi assim. Esse eterno rir das próprias burradas e piadas que agora são escritas com todos os dedos. Esse eterno debochar de qualquer espelho. Debochar da própria imagem. Imagem. E foi divagando sobre ela, sobre a imagem, que tudo se despedaçou sem haver existido. As palavras se transformaram em roupas e todos vestiram o que melhor lhe couberam. Palavras quentes, leves, suaves e as que machucam a pele enquanto caminha com elas. Pessoas gostam de sofrer e eu nunca soube o porquê. Tomam certas palavras para si, calçam e ficam altas enquanto seus dedos ardem. Isso quando insistem em calçar um número de palavras que não lhe cabe e não lhe diz respeito. Estes são os que sofrem mais. Se adaptam e se apertam até caberem certinho e sofrem a noite toda com essa insistência. Com a insistência em ser o que não é. Em usar o que não lhe pertence. Em não se encaixar nesse mundo vasto cheio de idéias e entrelinhas.

O gosto.


Café e cigarro. Não, cigarro não. Fumo. Solta um mundaréu de fumaça pelo quarto, e que sua mãe sempre odeia.  Esse café, tão forte e suave, a qualquer momento do dia, daquele jeito simples que todo baiano gosta. Você está lá. E em todos os lugares. Eu sinto. Às vezes eu até vejo, mas finjo que não vi só para me fazer de boba, mas no fundo eu sei. Sempre soube. Quando acreditei? Aceitei? Ainda não sei. E espero que ainda demore. Não, não quero agora. Guarde esta certeza que eu bebo da sua água outro dia. Não me prenda tanto ao chão assim, eu posso nunca mais voar. Sinto-me bem onde estou e no quê eu acredito que nunca me senti assim em toda minha vida. Você sabe que eu falo assim, mas eu tenho certeza de que não caminhei nem a metade do caminho. O pedaço que você me dava a mão não conta. Porque eu só conto daí pra frente, onde eu não me sentia segura, e que não éramos nós. Fui dançando, correndo, de bicicleta até que um dia não precisei de mais nada. Ou quase nada. Eu sei. Eu sei. Não vem com esse papo de Freud explica. Eu já cansei de ouvir isso de você. No fundo eu sei que o que apenas sobra são só retalhos, retratos, escritos, seus livros. E o cheiro na memória. Porque eu lembro que cheguei em casa e seu cheiro não estava mais na sua cama. Então eu encho a casa de fumo e café. Fecho os olhos e me agarro em sua memória.

Não.


Não pude evitar. Veio tão forte. Pois é. Somos humanos. Humanos. Sempre a mesma desculpa.

A desculpa do erro. Ih, foi mal. Me apeguei e não consigo enxergar mais nada. Não é bem assim, até consigo ver outras coisas entre as neblinas de minha psicose. Coisas bonitas que a minha obsessão louca e raivosa quase não deixa filtrar. Mas sabe? Desde que voltei quis tirar a limpo e a cada dia fica mais sujo. Fede. 

É humano? Também. Mas não aceito isso comigo. Leve com você seu humanismo cheio de erros e coisas feitas quase sem querer. A desculpa não chegou até aqui caso tenha enviado. A sua dor eu sinto de longe, e dá pena. Quero ajudar, mas não posso. Depois penso bem e vejo que não quero mais. 

Acendo um cigarro como quem não quer mais nada da vida, porque já tem. Toca sua música favorita e você olha pra mim como que para reparar se eu continuo observando. E convida com o sorriso tirado da bolsa que todos conhecem.

Adiante e faça a dança à sua maneira. Não me reserve a valsa. Não precisa.

Eu já tenho um par.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

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“Se você está lendo isso, então isto é para você. Cada segundo perdido lendo este texto inútil é outro segundo a menos da sua vida. Você não tem outras coisas para fazer? A sua vida é tão vazia que você honestamente não consegue pensar numa maneira melhor de vive-la? Ou você fica tão impressionado com a autoridade daqueles que a exercem sobre você? Você lê tudo o que deveria ler? Você pensa tudo o que deveria pensar? Compra tudo o que lhe dizem pra comprar? Saia do seu apartamento. Encontre alguém do sexo oposto. Pare de comprar tanto e se masturbar tanto. Peça demissão. Comece a brigar. Prove que está vivo. Se você não fizer valer pelo seu lado humano você se tornará apenas mais um numero.”



Clube da Luta, Chuck Palahniuk

Doce.


Depois do sono? Acordei com aquele pensamento maldoso latejando em meu corpo todo. Depois do sonho? Reli a maldosa carta que escrevi quase não me contendo de tanta raiva e me senti a pessoa mais ridícula do mundo. Não, às vezes não se pode mesmo defender a vida com palavras. Mas o outro lado é tão sujo, e eu tenho nojo de sangue alheio. Por isso me escondo aqui com minha raiva contida e meus vidros quebrados, até que minhas mãos não possam escrever mais nada. 

Depois da confissão? Um alívio. De tão iludida com o mundo me surpreendi com a sinceridade dos outros. Uma surpresa boa como se tivesse acabado de descobrir o desconhecido. Mas o conhecimento gera dúvida, disse um pensador. Disse outro que a dúvida é o preço da pureza, é que é inútil ter certeza. Fiquei com a segunda, acreditando na sinceridade das tuas palavras enquanto essa mesma canção tocava. E entendi a letra. Compreendi a canção. Confiei em você como nunca.

Depois do primeiro cigarro pela manhã, o rosto ainda salgado pelas lágrimas noturnas fiz um ritual. Apaguei tudo e toda memória que me fizesse lembrar o sonho. Qualquer referência, qualquer objeto, qualquer anotação.  Incumbi meu subconsciente com a ordem de reproduzir a lembrança mais calma e a música mais alegre quando essa horrenda memória se insinuasse bem ao longo, querendo fazer inferno na minha cabeça.

Sim, eu sou louca e ao longo do tempo fui encontrando defesas que fizessem meu cérebro trabalhar para o meu próprio bem, algumas vezes ele confunde tudo, daí eu reinicio e tudo fica calmo novamente.

O álbum branco do disco branco. Um papel em branco. Uma superfície reta pra desenhar as curvas de um infinito branco.
Que dois mil e doce ainda seja doce.
E será.

A pena.


Enquanto eu percebo as imperfeições que seus dedos não apontam e que sua escrita não sabe filtrar me lembro que foi até de certo modo engraçado que, olhando para minhas mãos, percebi que até elas se parecem com você. Lembrei de cenas da minha infância, das mais pacíficas às mais brutais e reparei que também puxei um pouco do seu sangue taurino, seu caráter e sua paciência, e que se não fosse você na minha vida jamais poderia imaginar que uma pessoa pudesse ser tudo isso e ser uma só. Até que me dei por gente e... 

Olha só, eu tentando cortar partes de mim. Eu tentando ser esta ou aquela enquanto sou tantas. E sou verdadeira sendo cada uma eu mesma. 

Mas quem mandou ser tão detalhista?

E isso de início não tinha nada a ver com você, mas fui procurando respostas, fui pacientemente me questionando e me acalmando, embora alguns espaços nem tão calculados da parede tenham o formato das minhas mãos fechadas. Tenho andado quieta e pensando demais, e isso nunca foi bom. Duas horas se passam com o livro nas mãos e não passo da página cento e trinta. Não é a cadência do livro, não é sono, não é preguiça. Pode ser eu querendo iniciar algo só pra ter a obrigação de terminar. O que também poderia ser outra coisa.

De um lado minha serenidade e meus pensamentos que voam como pipas, seguindo uma linha de raciocínio surreal, mas que sempre me traz de volta mais segura ou confusa. De outro, objetos quebrados, poemas rabiscados e um rock malfeito em uma tarde de outubro qualquer.

Lembro de uma vez que elogiaram essa expressão que tenho quando estou em lugar, mas ao mesmo tempo não. Posso ficar o tempo que quiser nessa posição, estando e não estando só por estar. A graça de tudo é que eu acabo me entregando completamente, estando lá ou aqui. A graça é que demorei tanto pra virar uma página insignificante só porque a mesma me fez entender uma infinidade de coisas importantes, que só não escrevo agora porque não vale a pena.